QUINTA-FEIRA, 23 DE JANEIRO

O que diz a Mídia sobre Trump – O GLOBO, VALOR, FSP

Trump fará mal ao planeta - O Globo - Efeitos nefastos do novo mandato se estenderão do clima à geopolítica, da economia à regulação da tecnologia

Ninguém pode se dizer surpreso com as primeiras medidas tomadas por Donald Trump ao assumir a Presidência dos Estados Unidos. Elas refletem tudo o que ele repetiu ao longo da campanha que o levou de volta à Casa Branca e, por absurdas que sejam, se alinham com o desejo dos eleitores americanos. Não quer dizer que sejam menos preocupantes ou menos assustadoras. Vistas no conjunto, representam retrocesso em diversas áreas — do clima à geopolítica, da economia à tecnologia. A colonização de Marte prometida por Trump é para lá de incerta, mas o Planeta Terra certamente ficará pior com ele no poder.

Na política externa, há uma contradição entre o Trump que se proclama “pacificador e unificador” e o Trump que pretende retomar o Canal do Panamá, nutre pretensões sobre Groenlândia e Canadá e quer mudar o nome do Golfo do México. De um lado, ele foi essencial na negociação para libertar reféns do Hamas — fato que suscitou aplauso unânime na posse. De outro, ameaça a China e fala em investir nas “Forças Armadas mais fortes de que o mundo tem notícia”. Qual Trump prevalecerá, o bélico ou o pacifista?

Se no aspecto militar pode haver dúvida, no econômico não há nenhuma. Trump abraçou a agenda mercantilista que tenta proteger a indústria local por meio de tarifas, enxerga déficits externos como problemas e considera o comércio internacional um jogo de soma zero. Promessas populistas — como a revisão no sistema tarifário para “beneficiar famílias americanas” ou exigir das agências federais que trabalhem para “derrotar a inflação” — são equívocos que, uma vez postos em prática, cobrarão seu preço em termos de crescimento e produtividade. Terão o efeito contrário ao desejado.

Mais grave é o incentivo que, sob o pretexto de preservar empregos americanos, Trump pretende dar à exploração de petróleo e gás e à indústria baseada no motor a combustão. O corte dos estímulos à transição energética introduzidos por Joe Biden e a retirada dos Estados Unidos do Acordo de Paris representam um recuo na agenda ambiental de consequências gravíssimas. Sem o compromisso do governo americano para reduzir emissões dos gases de efeito estufa, os danos das mudanças climáticas já em curso se agravarão.

Outro retrocesso previsível se dará na regulação das redes sociais. Não foi coincidência a presença dos líderes das maiores plataformas digitais na primeira fileira da plateia da posse. Trump cedeu aos apelos daqueles que, disfarçados de defensores da liberdade de expressão e da inovação, se recusam a assumir responsabilidade pelos danos que causam. O decreto revogando as precauções adotadas pelo governo Biden na inteligência artificial foi um primeiro sinal preocupante.

São um recuo civilizatório as medidas para desmantelar políticas de diversidade e inclusão, em especial as relativas à comunidade LGBTQIA+. E foi um absurdo oportunista o perdão aos insurretos que invadiram o Capitólio para tentar mantê-lo no poder.

Como esperado, Trump concentrou energia nas medidas de restrição à imigração ilegal. Parte delas traduz seu impulso populista — a deportação de milhões é um mistério de ordem prática. Outra parte enfrentará obstáculos na Justiça — como revogar a cidadania dos nascidos em solo americano. As turbulências jurídicas e políticas do primeiro mandato de Trump poderão parecer pequenas ante o que está por vir.

Trump inaugura governo com desafios à ordem global- Valor Econômico - Presidente americano passa a impressão de que tudo pode, mas a realidade é bem diferente

Donald Trump voltou à Presidência dos Estados Unidos com a energia recomposta por uma reviravolta política inesperada da política americana. A experiência, porém, nem sempre conduz à moderação ou à sabedoria, e Trump imediatamente assinou decretos que, se forem executados como concebidos, prometem arrematar a obra de destruição da ordem internacional construída pelos EUA, iniciada no primeiro mandato. “America first”, termo no discurso de posse, é um cognome para o isolacionismo reativo - os interesses do governo americano não poderão mais ser contrariados, sejam quais forem.

A lista de medidas é variada e abrangente, a maior parte delas instruções para que os departamentos do governo reúnam dados que comprovem teses trumpistas. As tarifas não foram nem por um minuto esquecidas. Ele disse que provavelmente em fevereiro taxará em 25% produtos mexicanos e canadenses, com os quais tem um acordo comercial, já modificado em seu primeiro mandato por exigência sua. A primazia de os parceiros inaugurarem a lista de punições diz o suficiente sobre o que Trump pensa sobre tratados comerciais - nada valem se não forem totalmente convenientes aos EUA. Trump ignora tarifas comuns e mobilidade de mão de obra - objetivos fundamentais de qualquer acordo comercial - e ainda determinou emergência na fronteira do México para conter a imigração, com o auxílio de tropas.

O estilo “transacional” do presidente se revela em outra medida inesperada, que atende à aliança com os bilionários das big techs, pressionados em todo o mundo e que acorreram a uma aliança com Trump para tentar impedir todas as regulações que lhes sejam prejudiciais na arena internacional. Trump determinou que as agências do governo colham dados, visando medidas retaliatórias, dos países que cobrem impostos “extraterritoriais” das multinacionais americanas. Esse é o núcleo do pacto global feito pelos países da OCDE em 2021, para uniformizar taxação mínima a multinacionais de qualquer setor e país que se abriguem em paraísos fiscais para pagar menos tributos. A Receita brasileira se prepara para cobrar o imposto mínimo, cuja arrecadação em 2025 está estimada em R$ 7 bilhões.

Determinar objetivos políticos para discriminações comerciais tende a provocar o caos no comércio global, embora a prática exista há tempos, de forma dissimulada. Trump tarifou aço e alumínio de seus aliados com base em ameaças à segurança nacional. Trump paralisou a OMC em seu primeiro mandato, e o democrata Joe Biden nada fez para ressuscitá-la. Agora prepara o longo inverno da organização com tarifas discriminatórias arbitrárias baseadas no puro poder econômico do maior mercado do mundo.

Os EUA se retirarão do Acordo de Paris novamente, em grande estilo. O presidente decretou emergência energética, cujo objetivo deve ser a eliminação de todas as restrições colocadas pelo “extremismo climático” para a exploração de combustíveis fósseis. A agenda verde de Biden será dizimada, a começar pelos subsídios aos carros elétricos, com consequências extensivas à maior parte das energias alternativas. Trump justificou a necessidade com o álibi de baixar a inflação, causada, para ele, por gastos públicos exagerados e pela explosão do custo energético. Para os gastos públicos, criou um Departamento de Eficiência Governamental a cargo do homem mais rico do mundo, Elon Musk, que começou a fazer cálculos e já diminuiu a economia prevista pela metade, para US$ 1 trilhão - com forte viés de baixa.

A receita de tarifas mais altas e corte de impostos é inflacionária e encontra a economia americana em boa forma. Juros descerão com menor velocidade e o dólar fará a mesma coisa, para cima. Trump quer reduzir à base de ultimatos o déficit comercial, mas suas medidas tendem a diminuir a competitividade americana. Talvez isso não faça muita diferença em seu mundo isolado onde, ao que parece, o que importa é produzir localmente. E, ao apelar para impostos de importação sobre todas as mercadorias, com fins de arrecadação, ele pode atrasar o desenvolvimento tecnológico do país, elevar preços e acumular fracassos na área fiscal.

Além da paranoia sobre “milhões de criminosos” que serão deportados, Trump fará uma varredura, por seus próprios critérios, em países que têm “controles deficientes” sobre migração. Tanto nesse ponto, quanto no da “global tax” e em muitos outros, o Brasil poderá ser alvo de uma disputa mesmo sem antagonizar os EUA, disposição agora explícita do presidente Lula. Como todos os países, o Brasil pode ser vítima do torvelinho “transacional” das exigências americanas.

Trump tem de fazer tudo rápido porque seu mandato tende a se esgotar em dois anos. Há divergência em sua equipe sobre timing, magnitude e alvos de tarifas e, com a exígua margem republicana na Câmara e no Senado, defecções serão fatais. Trump e Musk tentaram eliminar o limite para a dívida do Estado - algo estranho para quem busca eficiência governamental - e foram derrotados por revolta de republicanos fiscalistas. Trump passa a impressão de que tudo pode, mas a realidade é bem diferente.

Ao deixar Acordo de Paris, Trump ameaça a COP de Belém - Folha de S. Paulo - Dano pode ser mais diplomático que físico; EUA já vêm reduzindo emissões, mas dão pretexto para inação de demais países

Um exemplo cabal do conflito ideológico nos Estados Unidos está no vaivém de seu governo quanto ao Acordo de Paris. Em 2017, no primeiro mandato, Donald Trump retirou o país do tratado. Em 2021, Joe Biden retornou, mas o presidente ora reempossado volta a abandonar o acordo.

A defecção da nação mais poderosa do mundo abre flanco pernicioso na já claudicante negociação para conter o aquecimento da atmosfera e aumenta o pessimismo com resultados na próxima cúpula do clima, a COP30 a realizar-se em Belém (PA).

O dano ao processo poderá ser mais diplomático que físico. Afinal, a economia dos EUA já observa trajetória de redução de emissões de carbono que o voluntarismo de Trump pode até frear ou, mais dificilmente, reverter. Dará, contudo, pretexto para outros 194 signatários continuarem a nada resolver.

Não que a contribuição americana para agravar a crise do clima seja pequena. Os EUA são o segundo maior poluidor mundial, com produção anual de 4,9 bilhões de toneladas equivalentes de CO2 (GtCO2eq, medida que reduz a denominador comum todos os gases do efeito estufa).

Isso corresponde a 13% do total emitido no planeta e a uma das maiores taxas per capita, de 14 toneladas a cada ano. A campeã absoluta, China, emite 12,7 GtCO2eq, 33% em termos globais, mas no cálculo por habitante fica aquém (9 toneladas).

Do Rio (1992) a Paris (2015), as tratativas se basearam no princípio de que países desenvolvidos fariam esforço maior para diminuir o impacto do aquecimento. Por isso a China só se comprometeu com atingir um pico de carbono antes de 2030 e então começar a reduzir emissões para alcançar neutralidade até 2060.

Os EUA tinham meta mais estrita: cortar, até 2025, de 26% a 28% sobre os níveis de 2005. Como o país emitia cerca de 6 GtCO2eq há duas décadas, os percentuais se traduzem em 4,4 a 4,3 GtCO2eq —não tão longe das 4,9 GtCO2eq atuais, ainda que na prática descumprindo o compromisso agora abandonado.

Há incerteza também sobre as metas de outras nações, dado que o Acordo de Paris não prevê sanções. Alguns signatários adotam compromissos em aparência ambiciosos, porém demasiado flexíveis, como o Brasil: 59% a 67% de redução até 2035 sobre 2005, com margem ampla para computar captura de carbono de recuperação florestal.

Resulta daí a baixíssima probabilidade de não ser ultrapassado o limite fixado na capital francesa de 1,5ºC de aquecimento. Mesmo que se cumpram todos os compromissos nacionais, sobrariam depois de 2030 meras 70 GtCO2eq para emitir com queima de combustíveis fósseis.

A cifra equivaleria a apenas dois anos de emissões, o que tornaria inexequível alcançar a neutralidade até 2050. Mais, ainda, com carta branca de Trump para novos poços de petróleo e desinvestimento em energias limpas.