EDITORIAL

white and gray floral textile

SEXTA-FEIRA, 27 DE JUNHO

À medida que chegamos ao ano eleitoral de 2026, quando enfrentaremos a dura decisão de avançar no rumo socialdemocrata e progressista da proposta protagonizada por Lula, seja ele, ou não, candidato, com os riscos que isso implica do ponto de vista da polarização política do país, ou retrocedemos a um bolsonarismo mitigado, na candidatura do Governador de São Paulo. Ambos, com seus aliados, procuram ampliar suas respectivas imagens, à esquerda e à direita, com conquista de aliados capazes de conformar, não um polo ideológico, mas uma Frente. Com efeito, se cerca de 30% dos eleitores se inclinam à esquerda e outros 30%, à direita, há uma margem de 40% que medeia, ao centro, correspondendo, mais ou menos , à classe média, nada desprezível. Lula, entretanto, mesmo atento à perseguição de uma Frente Democrática, como já demonstrou em 2002/6 e 2022, disposto, inclusive à manutenção do diálogo com os Presidentes da Câmara e Senado, inequivocamente inclinados à direita e ao emparedamento do seu Governo, volta ao discurso em defesa dos “pobres e oprimidos”. Insiste no discurso que, outrora, não só o consagrou, como consagrou, no passado, a popularidade de Getúlio Vargas. No plano da governança, a disputa também retorna ao passado como a opção entre Desenvolvimento com inclusão social ou Estabilidade Fiscal e Monetária. Haddad, Ministro da Fazenda de Lula, mais do que qualquer outro Ministro, tem sido o intérprete desta alternativa, enfrentando com firmeza o desafio de sustentar a política de inclusão, sem perder, naturalmente, as rédeas da inflação, que, aliás vem diminuindo. Poucos se dão conta que o Brasil, no cenário internacional, não só tem apresentado bom índice de crescimento, com avanço no poder de compra das famílias, como tem baixo nível de inflação. Na Alemanha, país tradicionalmente estável, guardião do neoliberalismo, tem uma inflação de 10%, sendo o dobro deste número, quanto a alimentos, e quatro vezes este número, quanto ao aumento da energia. Quase se poderia repetir o que, aliás, um general Presidente, Ernesto Geisel, dizia em 1975: -“O Brasil é uma ilha de prosperidade no mar revolto do mundo”. Da mesmo forma que àquela época, também enfrentamos o desafio de garantir o crescimento da economia, com o mínimo de tensões, ao tempo em que lutamos pelo aprofundamento da democracia-entre-nós não só na defesa das instituições, como através da construção da economia de bem estar proposta pela Constituição Cidadã de 1988. Esse, a propósito, o desafio e o trunfo do Brasil, ainda pouco percebido por muitos analistas. Temos cumprido o Pacto Constitucional graças a forte presença no nosso espectro político da corrente social-progressista. Desafio difícil, eis que, além dos desafios externos, contemporizados pela nossa extraordinária capacidade para exportar, que nos garantiu uma reserva cambia de US $350 bilhões, temos que amenizar as diferenças sociais num país em que a desigualdades são as maiores do mundo. Não obstante, a corrida eleitoral já está em curso, senão nos procedimentos, no discurso dos principais protagonistas. A decisão virá nas urnas, ano que vem.

ANEXO

Lula diz que o Brasil dá ‘R$ 860 bilhões em isenções para os ricos’, veja os números e se é verdade

Lula diz que o Brasil dá ‘R$ 860 bilhões em isenções para os ricos’, veja os números e se é verdade - Estadão

Presidente infla dados e ignora renúncias para produtos da cesta básica, medicamentos e pequenos negócios do Simples; rever isenções aumentaria arrecadação, mas não resolveria o problema fiscal

Por Alvaro Gribel - 25/06/2025 | 09h30 Atualização: 25/06/2025 | 11h26

Lula diz que o Brasil dá ‘R$ 860 bilhões em isenções para os ricos’

BRASÍLIA - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou durante viagem ao município de Mariana, em Minas Gerais, que o Brasil gasta “R$ 860 bilhões” em isenções fiscais para os mais ricos. Disse, também, que só há críticas ao seu governo quando os gastos são voltados para os mais pobres.

“Vocês sabem quanto que nós gastamos com os ricos? Sabem quantos bilhões a gente dá de isenção para os ricos deste país que não pagam imposto? R$ 860 bilhões. É quatro vezes o Bolsa Família”, afirmou Lula.

Especialistas explicam, contudo, que o presidente não só inflou o número mas também desconsiderou uma série de benefícios que são voltados para a população mais pobre. Além disso, passou a considerar programas voltados para o setor produtivo — e que geram empregos — como medidas voltadas para os mais riscos.

Lula na entrega de máquinas agrícolas a municípios mineiros pelo Programa Nacional de Modernização e Apoio à Produção Agrícola, em Contagem Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República

O que os dados da Receita mostram é que a isenção tributária prevista para 2025 é de R$ 587 bilhões, ou 4,74% do Produto Interno Bruto (PIB). O presidente Lula subiu o número para R$ 860 bilhões, tendo como base declarações do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, mas que ainda não foram detalhadas pela pasta.

Haddad afirma que esse dado mais elevado é uma projeção da Declaração de Incentivos, Renúncias, Benefícios e Imunidades de Natureza Tributária (Dirb), um documento novo, que começou a ser encaminhado pelas próprias empresas à Receita no ano passado, expondo o quanto de impostos deixaram de ser pagos e para quais programas.

O Demonstrativo de Gasto Tributário (DGT), por sua vez, que acompanha a Proposta de Lei Orçamentária Anual de 2025 (Ploa), estima as isenções em R$ 587 bilhões. Esse é o documento que tem a série histórica de referência, desde 1989, sobre as renúncias e permite a comparação com anos anteriores.

Simples está no topo das renúncias

A maior isenção acontece com o Simples Nacional, que tem uma perda de receita estimada em R$ 127,73 bilhões este ano. O benefício é voltado para empresas dos setores de comércio, serviços e indústria com faturamento de até R$ 4,8 milhões por ano.

Para o especialista em política fiscal da XP Investimentos, Tiago Sbardelotto, não dá para afirmar que o Simples é uma política voltada para os mais ricos, já que gera empregos para os mais pobres, além de ser direcionada para pequenas e médias empresas.

“É temerário dizer que o Simples é voltado para os ricos, porque existem efeitos indiretos do benefício tributário que podem ajudar também os mais pobres, mesmo nesses benefícios que são direcionados a empresas”, afirmou. “O caso do Simples é emblemático. Embora seja um benefício para empresas, é, em geral, voltado para pequenos empresários que nem de longe podem ser considerados ricos.”

João Pedro Leme, economista da Tendências Consultoria, aponta, contudo, que muitas empresas fazem planejamento tributário para se manter enquadradas no Simples, e assim pagarem menos impostos. Ou seja, o programa atende pequenos empresários, de um lado, mas, por não passar por processos de revisão e medição de resultados, acaba também beneficiando os mais ricos. O erro do presidente é considerar toda a renúncia como se fosse voltada para os mais ricos.

“É bastante claro que a desburocratização na abertura da empresa e a redução da carga favorecem a formalização de pequenos empreendimentos, tocados por pessoas pessoas comuns”, aponta. “Mas também é fato que muitas empresas e empresários mais ricos se aproveitam do limite anual bastante generoso de R$ 4,8 milhões para fazer planejamento tributário: desenham juridicamente suas operações para pagarem pouco imposto e aproveitar também a distribuição isenta de lucros”, diz.

Cesta básica

Depois do Simples, a segunda maior renúncia acontece com produtos da cesta básica, que levam a uma perda de R$ 50,6 bilhões. A redução de tributos contempla itens como arroz, feijão, farinha de mandioca, milho, leite, queijos, pães, ovos, frutas hortaliças.

Se, por um lado, o presidente Lula pode alegar que essa política é horizontal, ou seja, beneficia ricos e pobres, ou qualquer um que consuma esses produtos; por outro, um aumento de alíquotas atingiria também os mais necessitados.

Durante a tramitação da reforma tributária no Congresso, a equipe econômica defendeu a reoneração da cesta básica, mas com a criação de um cashback (devolução de impostos) para as famílias de baixa renda.

A proposta, contudo, foi derrubada com apoio do PT e de partidos da base aliada, sendo mantidas a isenção total para alguns itens e a inclusão de outros na lista com alíquota reduzida de 60%.

Despesas médicas

A terceira maior renúncia acontece com as despesas médicas, que com estimativa de R$ 35,86 bilhões. Contribuintes que fazem a declaração anual completa de Imposto de Renda (IR) podem descontar da base de cálculo os gastos com saúde. A medida, de fato, beneficia os mais ricos, que conseguem pagar por serviços de saúde particulares, mas também a população de classe média.

IR para aposentados por ‘moléstia grave ou acidente’

Outra despesa entre as principais da lista da Receita e que não pode ser considerada para os “ricos”, como aponta o presidente Lula, é a isenção de IR para aposentadoria “por moléstia grave ou acidente”. A renúncia é a quarta maior e representa R$ 28,5 bilhões em perda de receitas.

Quais também estão entre as 10 principais renúncias

Completam a lista das 10 maiores renúncias:

  • Zona Franca de Manaus (R$ 28,26 bilhões), em 5º lugar;

  • Exportação de produtos agrícolas (R$ 22,8 bi), em 6º;

  • Entidades filantrópicas (R$ 21,24 bilhões), em 7º;

  • Aposentadoria de quem tem mais de 65 anos (R$ 21,22 bilhões), em 8º;

  • Assistência médica e odontológica para empregados (R$ 17,43 bilhões), em 9º; e

  • Títulos de crédito para o setor imobiliário e agronegócio (R$ 16,76 bilhões), 10º.

Aumento nos governos do PT

Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, diz que é importante o presidente querer rever os gastos tributários, mas lembra que o aumento das isenções federais ocorreu principalmente nos governos do PT.

Publicidade

No segundo mandato do próprio presidente Lula, elas romperam a casa dos 3% do PIB, e nos governos da ex-presidente Dilma Rousseff ultrapassaram a marca de 4% do PIB.

“O presidente precisa lembrar que quem explodiu o gasto tributário foram os governos do PT na sua maior parte. Isso reflete o olhar de que o fiscal é impulsionador de crescimento. Muito importante o governo querer rever os gastos, mas falta a mão na consciência de reconhecer seus erros no passado”, afirma.

Leia também

Quem mais recebe benefícios tributários e deixa de pagar impostos no Brasil? Veja gráficos

Além disso, Vale pondera que rever isenções fiscais aumentaria a arrecadação do governo, mas não resolveria o problema estrutural do arcabouço fiscal, relacionado ao aumento dos gastos primários obrigatórios, e que vão comprimir os gastos discricionários (que o governo é livre para gastar) e levar a uma paralisia da máquina pública.

“Não tem como escapar de reestruturação dos gastos. A questão fiscal chegou a tal ponto que demandará um esforço em várias frentes para ajuste. Os gastos tributários não podem ser vistos como elemento único de ajuste“, diz.